Crítica: Em Duna Parte Dois, Denis Villeneuve se dedica a convergir sua técnica como forma de convencer o espectador sobre aquilo que assiste.
Numa entrevista em 2021, Denis Villeneuve, responsável pela adaptação de Duna, disse que assistir ao filme pela TV era ridículo. Na época, não faltaram reações negativas ao franco-canadense pelo fato de o momento cuja frase foi proferida ter sido assombrado pela pandemia da COVID-19 e pela campanha “fique em casa”. Porém, mais do que um debate sobre se Villeneuve estava certo ou não em sua posição, a ideia do diretor, por um lado, sempre fez sentido. Parece ridículo, tem até um ar de elitismo nisso, mas ele estava certo, e a sequência do filme prova que Duna deve ser visto, sim, no cinema.
A continuação do longa de 2021 aprofunda o conteúdo político e religioso causado pela chegada da casa Atreides em Arrakis, que não permaneceu por muito tempo no poder devido ao massacre sofrido por eles, ocasião que levou à ocupação do planeta de areia pelos Harkonnen, que agora agem brutalmente para obter a especiaria. Como parte do povo que resiste às agressões, Paul Atreides (Timothée Chalamet) e sua mãe, Lady Jessica (Rebecca Ferguson), que sobreviveram ao massacre que matou seu pai, Leto Atreides (Oscar Isaac), precisam seguir um caminho que se divide entre escolher amor e missão, vingança e poder, profecia e realidade — tudo ao mesmo tempo.
Duna é muito competente em dar continuidade a essa história, principalmente pela sua narrativa que utiliza recursos visuais como forma de não apenas impressionar, mas também para provar que, quando envolvidos, os traços hollywoodianos e o desejo de impor a diferença em peças de ficção científica podem gerar uma conformação que vai além da indistinção dos meios definidos no mercado exibidor. É também por este motivo que o primeiro filme dividiu opiniões, pois segue a intenção do diretor de não apresentá-lo, como introdução ou uma nova história, mas sim fazê-lo com base numa solidificação dos seus estilos. Ao buscar ampliar o domínio visual por meio de longas tomadas no deserto, ambientes imensos e uma coloração extensivamente bege, Villeneuve reafirmou suas expectativas. Já o público parecia cada vez mais disperso. É por isso que nessa segunda parte ele parece dedicado a convergir sua técnica como forma de convencer o espectador sobre aquilo que assiste.
E você não pode dizer que ele não teve sucesso. Duna 2 tem mais ação, na verdade, é ação pura. Isso não significa, todavia, que Villeneuve tenha deixado de lado os seus modismos. É como se o filme encontrasse uma forma de concretizar dois de seus maiores símbolos: a ficção científica e a linguagem cinematográfica repleta de esforços criativos, que estão realmente acima da média quando se trata de um longa-metragem como este. É interessante notar isso, pois mesmo sendo, na maioria das vezes, superestimado pelo seu público, Denis Villeneuve realmente sabe como firmar sua criação e, principalmente, como se firmar. Seria um erro, por isso, não mencioná-lo como peça-chave da obra num sentido amplo, ainda mais quando seus efeitos de condução reincidem sobre o elenco.
Não dá para enxergar, por conseguinte, o desempenho de Timothée Chalamet aqui como sendo o mesmo ou algo parecido com o que ele foi no filme anterior. Pode até ser o caso de chegar ao ponto de precisar encarar o personagem, ou uma das exigências colocadas na sequência de “coisas que precisamos melhorar na parte dois”. Mas o ator é tão competente, esforçado e dedicado a viver Paul Atreides como um messias, que seu charme passa a ser notado, inclusive em sua forma física: mais do que nunca, Chalamet está sexy, ainda que suas cenas de carícia com Zendaya necessitem de maior intensidade, uma vez que o papel dela é colocado entre com uma certa importância na profecia do protagonista. Na verdade, esse reflexo de masculinidade é um contorno interessante na promoção de uma brutalidade que indubitavelmente ajuda a empurrar o filme nos moldes da dita ação a qual, finalmente, tudo consegue responder muito bem. Destaque, nesse sentido, para Austin Butler, que é irresistível do primeiro ao último minuto em tela, brilhando com a psicopatia do personagem enquanto faz caras e bocas diante de seu desfecho épico.
Esse desfecho, aliás, é o maior encontro entre os dois Villeneuves aqui: aquele que visa a contemplação, às vezes abastada demais, principalmente pelo tom elevado na OST de Hans Zimmer; e aquele que quer provar o seu valor diante de cenas de luta que o acusam de não saber filmar. E ele é realmente bom, por mais que se perca no confronto externo quando envolve as multidões que se levantam para a guerra ao estilo de O Retorno do Rei — capturas aéreas cujo gigantismo percorre fileiras de soldados posicionados quase como robôs. É um jogo que mistura a artificialidade de CGI, com a tensão política do texto — agora mais evidente do que nunca — e o misticismo que ganha volume ao longo do filme.
O que fica mais evidente nisso, de misturar uma coisa com outra, como se fosse um grande exercício para entregar o melhor resultado entre o equilíbrio do perfeccionismo e do comercial, é a absorção do que é real ou não. É como se aquela ideia do efeito P&B que tínhamos quando saiu o trailer não correspondesse verdadeiramente ao que é feito no filme. Essas cores não são usadas porque alguém achou que ficariam esteticamente bonitas; são utilizadas porque naquele planeta, Giedi Prime, casa dos Harkonnens, o sol é negro e emite uma iluminação captada pelo diretor através de uma paleta infravermelha que só pode ser percebida em espaços abertos, por isso há uma transição muito natural e sinuosa entre esses ambientes.
Estas escolhas, que acrescentam opções ao que o livro revelou, apontam para o fato de Duna ser, independentemente dos seus resultados, uma adaptação suficientemente capaz de trazer perspectivas funcionais ao seu material como uma relocalização de figurações. Ou seja, o grande sucesso está na maleabilidade do próprio roteiro com as modificações programadas pelos responsáveis, lê-se toda a equipe que se dispôs a ir além das idealizações sacanas do diretor — a prole do verme da areia, a nave do imperador chegando Arakis e todo o drama político que corre à margem — são exemplos desse mapeamento baseado na exploração das marcas potenciais que a combinação de livro e filme pode propor.
Por isso, ao contrário da impressão deixada pelo primeiro filme (pessoas dizendo que adormeceram assistindo), o segundo tem o desafio de fazer com que o espectador mantenha a atenção nos inúmeros acontecimentos que ocorrem em uma sequência bruta ligada na voltagem máxima. Mas talvez seja por esta necessidade de ter que proporcionar um aproveitamento maior que Duna 2 é uma sequela que luta entre ser bem-intencionada e ser a resposta que parte do público esperava que fosse, e isso recai sobre os ombros do diretor, que às vezes tem razão em se afastar da posição autoral, mas erra ao fazê-lo de forma abrupta demais considerando a razão pela qual encabeçou o projeto.